Sociedade Brasileira de Dermatologia divulga nota técnica com esclarecimentos sobre a relação entre manifestações cutâneas e covid-19
A covid-19 pode gerar manifestações cutâneas em pacientes afetados pelo novo coronavírus, o que já pode ser comprovado por meio de exames como PCR, imunohistoquímica e microscopia eletrônica. As lesões de pele surgem em até quatro semanas depois do início dos sintomas gerais da covid-19, mas principalmente nas duas primeiras. Os quadros de exantema e urticária costumam ser mais precoces, com início concomitante aos sintomas gerais ou nos dois primeiros dias, embora existam relatos de surgimento tardio, até um mês depois. As manifestações vasculares, como pseudo-eritema pérnio, púrpura e necrose são tardias, ocorrendo em geral após a segunda semana de infecção.
As conclusões fazem parte de documento divulgado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) que fez uma revisão ampla de estudos científicos dedicados ao tema. O trabalho, que será disponibilizado aos especialistas, ressalta que as manifestações cutâneas, apesar de possíveis, são menos específicas do que outros sinais clínicos relacionados à covid-19, exigindo sempre uma avaliação criteriosa dos dermatologistas antes de sua classificação final.
A assessora do Departamento de Medicina Interna da SBD, Camila Seque, responsável pela revisão, explica que a frequência das manifestações dermatológicas nos pacientes com covid-19 ainda é um dado bastante variável na literatura internacional. “Diferentes pesquisas estimam prevalências entre 0,2% e 45%. São inúmeros fatores que influenciam essa ampla variabilidade, tais como: a metodologia do estudo científico; o perfil epidemiológico das amostras; a avaliação presencial ou por telemedicina; a exclusão ou não dos diagnósticos diferenciais; entre outros”, enumera. Segundo ela, no Brasil, até o momento não há estatística sobre esses achados.
Sintomas – Alguns estudos apontam a possibilidade das lesões cutâneas surgirem antes dos sintomas gerais da covid-19, ou seja, de serem os primeiros sinais da infecção. “Isso pode ocorrer entre 8 a 17% dos pacientes que desenvolvem quadro cutâneo”, alerta Camila Seque.
Segundo informa a nota técnica da SBD, nesses casos, as lesões de pele precedem em média três dias os sintomas gerais e os quadros de urticária são os mais relatados. “Tal dado é relevante, pois aponta para as manifestações cutâneas como possíveis marcadores iniciais da infecção por SARS-CoV-2, e ainda na fase pré-clínica, o que contribuiria para o diagnóstico precoce da covid-19”, complementa o texto.
A coordenadora Científica da SBD, Flávia Bittencourt, adverte que outro ponto controverso na literatura científica é a presença de lesões de pele como manifestação única da covid-19, ou seja, lesões cutâneas sem qualquer outro sintoma geral. “Até o momento, há poucos estudos que sustentem essa afirmação”.
Outro dado importante da nota técnica é sobre a relação entre as manifestações cutâneas e as formas leves e graves da doença. Segundo a especialista, elas podem se apresentar em ambas as formas, pois acometem diferentes perfis de pacientes. A nota técnica da SBD também aponta que as manifestações cutâneas mais comuns encontradas na literatura internacional como possível infecção pelo SARS-CoV-2 são: erupções máculo-papulares; urticariformes; tipo pseudo eritema pérnio; vesico-bolhosas; e livedo/necrose.
“Vale ressaltar que até mesmo a frequência de cada um desses padrões é variável de acordo com cada estudo. Grande parte das pesquisas de revisão sistemática relata maior frequência das erupções maculo-papulares (até 70%), seguida das lesões vasculares (incluindo pseudo eritema pérnio), enquanto outros relatam que o padrão mais comum seriam as lesões tipo eritema pérnio (até 75%). Já os quadros urticariformes, vesiculares e livedo/necrose parecem ser mais raros”, salienta o texto.
Alopécia – A revisão divulgada pela SBD aborda uma questão que pode ter relação com a maior susceptibilidade de adoecimento dos homens em relação às mulheres, inclusive com chance de evolução para a forma mais grave da doença, com risco de internação e óbito.
De acordo com a dermatologista Camila Seque, uma possível explicação para essa predisposição do sexo masculino à infecção e ao pior prognóstico seria a associação entre a via dos andrógenos e a infectividade do SARS-CoV-2. Ele explica que um dos marcadores clínicos da expressão dos andrógenos é justamente a alopécia androgenética (AGA), que pode ser um possível fator de risco para a covid-19, uma vez que estudos observaram elevada frequência de AGA entre os homens internados por covid-19.
Além disso, o uso de medicações antiandrógenas, amplamente indicadas nos casos de AGA, parecem ter um efeito protetor na doença, com redução dos sintomas e menores chances de necessitarem de cuidados em UTIs. Porém, a pesquisadora salienta que ainda não há estudos, com metodologia adequada, que demonstrem efetivamente se a introdução dessas medicações após o diagnóstico de covid-19 teria algum benefício terapêutico ou, até mesmo, risco adicional.
Evolução – O tema deve gerar novos documentos. Segundo especialistas que acompanham a evolução da pandemia, por se tratar de uma doença recente, cujo conhecimento ainda está em construção, as informações sobre a covid-19 podem mudar em semanas ou meses. No caso das manifestações cutâneas, ainda há dúvidas sobre a real frequência das manifestações dermatológicas na covid-19, quais as mais relevantes e mecanismos fisiopatológicos envolvidos, entre outros.
“Acompanhar o crescimento diário do conhecimento sobre a covid-19 em todas as áreas da medicina, inclusive na dermatologia, é uma excelente oportunidade de aprendizado e contribuição para sua construção, sempre com a esperança de que a ciência traga mais respostas que se reflitam em benefícios, tanto para os pacientes quanto para a sociedade”, concluiu Camila Seque.