Riscos e possibilidade de antiandrógenos nas alopecias são abordados por especialistas do RJ



Riscos e possibilidade de antiandrógenos nas alopecias são abordados por especialistas do RJ

16 de setembro de 2021 0

As alopecias são um importante tema no cotidiano do dermatologista. Por isso, são permanente motivo de debates em eventos da especialidade, com a apresentação de novas formas de tratamento. Para manter os associados atualizados, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) convidou o professor Celso Sodré, que tem uma extensa trajetória relacionada ao tema, para fazer alguns esclarecimentos no SBDcast, divulgado em 04 de agosto. 

Ele é responsável pelo Ambulatório de Alopecias do Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos coordenadores do Centro de Estudo dos Cabelos do Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay, também no Rio de Janeiro.

Em sua participação no projeto SBDcast, o expert conversou com a coordenadora científica da SBD, Flávia Vasques Bittencourt, sobre o uso de antiandrógenos nas alopecias, aspectos relacionados à segurança do tratamento, efeitos colaterais, contraindicações, interface com médicos de outras especialidades, como ginecologistas, por exemplo, e perspectivas para o futuro. Confira abaixo este bate-papo. 

Flávia Bittencourt – Em quais alopecias os antiandrógenos podem ser usados? Em quais há evidência científica?

Celso Sodré – Certamente, nas androgenéticas, tanto masculina quanto feminina. Também tem sido demonstrado uma ação muito interessante na alopecia fibrosante frontal. Recentemente, uma publicação sobre a dutasterida mostrou ser possível controlar em torno de 90% dos casos de fibrosante frontal, depois de um ano de uso. A finasterida já tinha se mostrado útil antes e na alopecia fibrosante frontal. 

FB – Quais são os anticoncepcionais antiandrógenos? E qual seria a sua condução? 

CS – Os contraceptivos que têm ação antiandrógena são aqueles em que o componente progestágeno tem ação antiandrogênica. Os principais são ciproterona, drospirenona e clormadinona. A ciproterona, que é talvez o melhor, é associada a uma quantidade de estradiol mais alta: 35 microgramas. Os outros apresentam 30 microgramas e 20 microgramas. De qualquer modo, o que recomendo é solicitar ao ginecologista que prescreva, preferencialmente, um desses, com ação antiandrógena.

FB – Os antiandrógenos podem ser utilizados em mulheres em idade fértil? Quanto tempo após a suspensão de cada um deles que a mulher pode engravidar?

CS – Desde que a mulher esteja em esquema de contracepção eficiente e eficaz, eles podem ser usados. Dentre os antiandrógenos que mais se usa, estão: anti 5-alfa redutase, finasterida, dutasterida e espironolactona, que é um bloqueador de receptor de andrógeno. A ciproterona se utiliza muito pouco e tem ainda a bicalutamida, que parece ocupar um espaço importante, que foi o da flutamida, proibida por sua toxidade. Então, pode-se usar esses antiandrógenos, desde que a mulher não engravide. O problema da gestação está no risco de má formação do aparelho geniturinário do feto masculino, que é formado por volta da 12° semana de gestação, o que oferece uma margem de manobra. Assim, é razoável manter a espironolactona até dois meses antes da gestação, depois suspende. Já a finasterida também está adequada dois meses antes. Por sua vez, como a dutasterida permanece mais tempo no sistema, então é interessante suspendê-la quatro ou seis meses antes do projeto de gravidez.

FB – Qual sua rotina em relação aos exames? Quais solicita antes de cada anti-andrógeno? No caso da espironolactona, pede-se só avaliação cardiológica? Se a droga é finasterida, solicita-se testosterona, espermograma? Quando se faz PSA e avaliação ginecológica? É necessário exame de controle depois do início do uso? Compartilha com a gente a sua rotina.

CS – Acredito que para qualquer medicamento usado cronicamente é interessante uma avaliação laboratorial basal antes do seu início. Então, os primeiros seriam hemograma, hepatograma, ureia e creatinina. Esse é o mínimo. Depois, para cada um dos antiandrógenos, há uma orientação. Testosterona e di-hidrotestosterona vale a pena? Não é necessário, mas, às vezes, é interessante para acompanhar a ação do medicamento no organismo. Sabe-se que dutasterida e finasterida causarão aumento na testosterona, com diminuição da di-hidrotestosterona. É útil ver se isso realmente está acontecendo. A espironolactona é um poupador de potássio que pode, eventualmente, levar à hipercalemia, com suas toxidades cardiológicas. Mas, de fato, não se observa isso acontecer. Pelo menos em mulheres saudáveis é bastante seguro o uso, mas se vai ser pedido exame de sangue para ver o hepatograma, não tem nada demais também em colocar sódio, potássio e cloro. Quanto ao PSA, a mesma coisa foi falada antes. Por exemplo, se for uma pessoa de mais idade considero mais necessário. Contudo, ter um valor basal, muitas vezes é interessante, pois sabe-se que finasterida e dutasterida produzirão queda do PSA circulante à metade. Então, para sentir se houve aumento, se o PSA se manteve alto, apesar do anti 5-alfa redutase, é interessante ter o acompanhamento.

FB – Com qual frequência se faz os exames?

CS – Inicialmente, seis meses e depois um ano. Não acho necessário fazer exames com muita frequência, pois são drogas bastante seguras.

FB – Em relação a efeitos colaterais, quais são os principais?

CS – Nos casos da anti 5-alfa redutase, finasterida e dutasterida está, sem dúvida, a diminuição da libido, tanto entre homens quanto em mulheres, onde esse quadro é muito, muito menos frequente. A espironolactona também não costuma gerar grandes efeitos colaterais, mas, às vezes, há queixa de mastodinia, alteração do ciclo menstrual com escape. Porém, se a paciente estiver bem no seu esquema de contracepção com anticoncepcional oral, as chances desse problema aparecer são pequenas. Com respeito à bicalutamida, ainda não tenho experiência para falar sobre efeitos adversos, mas as publicações apontam segurança e poucas reações. 

FB – Quais as principais contraindicações para uso dos antiandrógenos?

CS – Nos casos da finasterida e dutasterida, basicamente depressão. É preciso ficar muito atento, pois há pacientes que ficam bem depressivos. Nestas situações, isto implica em grande risco de efeitos adversos permanentes ou persistentes em pessoas com este padrão. Não me parece uma contraindicação absoluta, mas eu evito se o paciente é depressivo, está em tratamento ou superou um quadro depressivo. Eu compartilho a situação com o psiquiatra para podermos evoluir, juntos, no acompanhamento. No entanto, não acredito ser absolutamente necessário expor o paciente a um medicamento que faz quadro depressivo e, eventualmente, diminui a libido. Para a espironolactona, quando o paciente é hipertenso e já usa medicamentos anti-hipertensivos ou diuréticos, entre outros, eu prescrevo, mas peço que a pessoa converse com seu cardiologista e explique sobre a substituição, por exemplo, de algum outro diurético (clortalidona, hidroclorotiazida) para passar para espironolactona.

FB – A finasterida vem sendo usada em mulheres de forma off-label. Sabe-se que isto gera muita ansiedade. Seria importante a indústria investir na mudança da bula para incluir a população feminina?

CS – Seria muito bom, mas percebo que a indústria não tem muito interesse nisso. Lembro que no lançamento do Propecia® para a alopecia androgenética masculina, o laboratório responsável apresentou junto com uma pesquisa sobre o tema um outro trabalho que apontava a ineficácia da finasterida no tratamento da androgenética feminina, mas na dose de 1mg/dia. Esta não é a dose que se usa para a mulher, por exemplo. Eu uso sempre 5mg, eventualmente 2,5mg, mas 1mg para androgenética feminina é igual a nada. Não funciona mesmo. Na minha avaliação, isso já impactou a indústria para não correr atrás disto. A pesquisa para mudança de bula para a mulher, sobre risco na gestação, mereceria um investimento que, pelo montante exigido, deixaria a indústria em dúvida, já que não haveria retorno financeiro suficiente que justificasse a aposta. Assim, como não se tem isso, nos cabe explicar para a paciente na hora da prescrição que na bula está escrito o que é certo. Ou seja, que a droga é de uso exclusivo para o sexo masculino no tratamento de hiperplasia prostática benigna e que mulheres e crianças não devem fazer uso. Acrescente-se ainda que, mesmo assim, o medicamento é seguro, desde que a paciente não engravide. Se ficarmos à espera do que é label para prescrever, não se indica sulfona para dermatite herpetiforme e nem hidroxicloroquina em caso de erupção polimorfa à luz solar. Temos que saber superar a falta de interesse da indústria farmacêutica com um bom relacionamento médico-paciente.

FB – Em relação às doses, quais que seriam as de finasterida e de dutasterida para homens e mulheres? 

CS – No caso da dutasterida para a hiperplasia prostática, a dose é de 0,5mg, que é o que existe industrializado e equivale à finasterida 5mg. Então, não é 1mg. Finasterida 1mg na alopecia androgenética masculina e só. Quanto à dutasterida 0,5mg, uso naturalmente no homem e na mulher. Sabe-se que tem sido demonstrada alguma evidência de superioridade clínica na eficácia do tratamento da androgenética com a dutasterida em relação à finasterida. Quanto à percepção dos exames laboratoriais é nítido que a dutasterida é muito mais potente em inibir 5-alfa redutase, reduzindo muito a di-hidrotestosterona circulante e aumentando a testosterona circulante. Esse resultado é muito superior ao da finasterida. Assim, indico para homem 1mg de finasterida e 0,5mg  de dutasterida. Já para a mulher, 5mg de finasterida e 0,5mg de dutasterida também.

FB – Qual sua experiência com a bicalutamida? Considera uma droga promissora? 

CS – Acho que é extremamente promissora para o sexo feminino, pois ela atua como bloqueadora de receptor de andrógeno. No homem, provocaria uma feminilização, que não tem interesse para tratamento de androgenética, mas na mulher vem substituir a flutamida com perfil de segurança muito melhor. Então, para as pessoas mais novas, sem experiência com a flutamida, vale lembrar que a flutamida é um espetáculo, sendo usada como a bicalutamida é também: para câncer prostático metastático. Desta forma, para castração química a flutamida é indicada na dose de 250 mg 3 x por dia. O problema da flutamida é que, em algumas pessoas, desenvolve hepatite fulminante, levando a óbito ou mesmo transplante hepático. Com isso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, recomendou aos dermatologistas evitar o seu uso em ação cosmética, o que fez a flutamida ser substituída pela bicalutamida, que tem perfil de segurança hepático muito bom, com baixa incidência de efeitos adversos, sendo usado o comprimido de 50mg, três vezes ao dia, para câncer metastático de próstata. O pessoal de Madrid tem publicado uma dose de 10mg a 50mg por dia para a alopecia de androgenética com resultado bastante interessante e bom perfil de segurança. Então, se tem um comprimido de 50mg, quebra-se, dando meio comprimido por dia, 25mg, o que está na média. Esta é uma boa opção, embora eu não tenha experiência suficiente para informar minha vivência com o assunto. Porém, teoricamente, se preenche um lugar muito interessante, com retorno não só para androgenética, mas também para o hirsutismo, seborreia, acne. 

FB – Quais são perspectivas quanto a tratamentos futuros para a alopecia? 

CS – Pois é, eu fico impressionado, como se investe nisso! Realmente, há muita demanda da população em geral. A parte cosmética do cabelo parece ser fundamental, vital para o ser humano, por conta dos pelos terem função importante de fotoproteção, de isolamento térmico, de sensibilidade. Fazer a moldura da cabeça é extremamente impactante para os indivíduos, para nossa sociedade, pelo menos nesse momento. Deste modo, está se investindo em fator de crescimento, plasma rico em plaquetas e engenharia genética futura. Existe muita procura de soluções definitivas. O que vejo é cultura de células tronco, de folículo da região central para ser transplantado. Há muita coisa, mas nada para agora. Estou um pouco desanimado também com tanto investimento só no visual. Claro que a gente tem que pensar sobre a importância deste aspecto, considerando que as pessoas querem ter aspecto que consideram ideal e que o cabelo tem importância fisiológica de proteção. Contudo, deve-se ter um limite também no quanto se investe nisso.
 





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