Comentários sobre a prática da telemedicina no país
JSBD – Ano 23 – N.03 – 04
Por Daniel Houthausen Nunes
A revolução dos meios de comunicação, especialmente pela Internet, contribuiu para a ágil disseminação de informações nas mais variadas áreas, incluindo a medicina. A facilidade de comunicação obtida por essas inovações levou ao desenvolvimento da chamada telemedicina, que propõe assistência remota à saúde (teleconsultoria e telediagnóstico), utilizando-se de meios de comunicação e recursos tecnológicos, sem que haja necessidade de consulta na modalidade presencial. As trocas de informação e de conhecimento médico proporcionadas pela telemedicina são capazes de ampliar o acesso à saúde para populações com as mais diversas características, em especial aquelas de localidades remotas. Essa característica de inclusão é vantajosa sobretudo no contexto de distribuição demográfica desigual das especialidades médicas em nosso país.
A telemedicina tem revolucionado o acesso a diversas especialidades nas quais a interpretação de imagens configura etapa imprescindível para o raciocínio diagnóstico, a exemplo da radiologia, cardiologia, patologia, dermatologia, e mesmo da cirurgia. Vários países, como Holanda, Nova Zelândia, Estados Unidos, Suíça e Chile, têm testado a telemedicina, principalmente no contexto da atenção primária à saúde (APS). Diversas outras vantagens desse recurso têm sido apontadas, incluindo redução de custos e otimização de custo/efetividade quando utilizada como sistema de triagem visando à diminuição do número de referenciamentos para consultas presenciais.
A dermatologia é uma área da medicina que tem como base de seus diagnósticos, além da história clínica e do exame físico geral, o aspecto visual de suas doenças. Essa característica a torna um excelente campo de experimentação para a telemedicina, sendo, até o momento, alvo do maior número de estudos e publicações nesse campo desde 1995. Além do conhecimento acerca de condições médicas que afetam essencialmente a pele, a dermatologia tem vital importância no diagnóstico de inúmeras doenças sistêmicas que apresentam manifestações cutâneas. O manejo de alguns tipos de afecções de pele por profissionais não especialistas pode atrasar diagnósticos e até mesmo levar a terapêuticas inapropriadas, resultando em prejuízo global para o paciente e financeiro para o sistema de saúde.
A transmissão de informações utilizando a teledermatologia pode ser feita por meio de duas modalidades. A primeira é a vídeoconferência (VC), também chamada de real-time ou live interactive, na qual as imagens são transmitidas em tempo real, permitindo a interação entre paciente, médico assistente e dermatologista. Na segunda, tipo store and forward (SAF), as informações são transmitidas de forma assíncrona, ou seja, as lesões são fotografadas e enviadas para uma plataforma online, juntamente com relevantes dados clínicos do paciente. As informações serão então acessadas pelo dermatologista responsável por analisar as imagens. Por ter custo global mais baixo e menor exigência de velocidade de transmissão via internet, a modalidade SAF é a mais amplamente utilizada, tendo sido também a escolhida para a implantação da teledermatologia em Santa Catarina (SC).
No contexto da saúde pública brasileira, o acesso a profissionais especialistas em dermatologia pode ser considerado bastante precário, a despeito da importância e da crescente procura de assistência médica nesse segmento. De acordo com estimativa feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em 2018 apenas cerca de 3,6% dos especialistas em dermatologia concentravam-se na região Norte do país. A região Sudeste reúne cerca de 58,7% desses profissionais, enquanto a região Sul conta com cerca de 15,8% do total de dermatologistas do país.
Frente à disparidade de acesso a essa especialidade, a teledermatologia busca oferecer assistência remota a médicos não especialistas na área, ampliando o acesso à dermatologia em áreas que dela carecem. Condições clínicas de baixa complexidade podem ser particularmente favorecidas, de forma a ser manejadas com mais segurança pelos próprios médicos da APS. Assim, permite-se beneficiar um maior número de pacientes de acordo com suas necessidades de saúde, garantir a integralidade proposta pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e facilitar o acesso a centros de referência em dermatologia. Isso ampliaria a resolutividade da atenção básica ao prevenir encaminhamentos evitáveis que dificultam o acesso a níveis de maior complexidade de assistência à saúde. Desse modo, a ferramenta parece agilizar diagnósticos, ao passo que reduz o tempo de espera para atendimento nos casos em que o acompanhamento e o manejo dermatológico na modalidade presencial se façam necessários. A teledermatologia contribui também para a qualificação dos profissionais que atuam na APS por promover intercâmbio de informações entre os médicos, melhorando a eficiência e a qualidade da assistência à saúde.
Embora haja necessidade de investimento inicial para sua implantação e para a manutenção dessa modalidade de telediagnóstico, pesquisas têm demonstrado que o estabelecimento da telemedicina na triagem de pacientes da APS é potencialmente capaz de propiciar economia ao sistema de saúde.
A acurácia e a utilidade clínica da teledermatologia são apontadas pela literatura. Apesar de haver evidências de que essa modalidade de telediagnóstico representa considerável benefício econômico para o sistema de saúde, estudos em relação a essa possível vantagem são escassos em contexto mundial, quase inexistentes nacionalmente e carecem de protagonismo de nossas instituições no sentido de tomar para si essa responsabilidade da regulamentação.
Sobre o tema o CFM publicou a resolução 2.227/2018,revogada em seguida por pressão dos próprios médicos, inseguros a respeito. O ponto é que a tecnologia existe, está cada vez mais disseminada, “democrática" e é uma ferramenta excepcional se usada corretamente; porém, se nós, médicos, não formos os definidores das regras, seremos, mais uma vez submetidos a regulações externas impostas por algum burocrata.