O respeito à autonomia do paciente, inclusive na fase da terminalidade da vida; a preservação do sigilo profissional na relação entre médico e paciente; o direito de o médico exercer a profissão de acordo com sua consciência; e a possibilidade de recusa de atender em locais com condições precárias, que expõem ao risco pacientes e profissionais. Esses são alguns dos pontos previstos no novo Código de Ética Médica (CEM) que o Conselho Federal de Medicina (CFM) apresentou em coletiva nesta terça-feira (22/4), em Brasília. O coordenador da Câmara Técnica de Dermatologia do CFM, José Fernando Maia Vinagre, foi um dos responsáveis pela condução dos trabalhos, que contou com a participação de vários dermatologistas em diferentes fases dos debates.
Acesse a íntegra do novo texto
O novo CEM é a versão atualizada de um conjunto de princípios que estabelece os limites, os compromissos e os direitos assumidos pelos médicos no exercício da profissão. O início da vigência (em 30 de abril) acontece 180 dias após a publicação da Resolução CFM nº 2.217/2018 no Diário Oficial da União (DOU), que ocorreu no dia 1º de novembro do ano passado.
Avanços – Essa é a etapa final de um processo de quase três anos de discussões e análises que atualizaram a versão anterior que vigorava desde abril de 2010 (Resolução CFM nº 1.931/2009). Os debates, que foram abertos à participação de toda a categoria médica – seja por meio de entidades ou pela manifestação individual dos profissionais – permitiram modernizar o texto anterior, incorporando artigos que contemplam mudanças decorrentes de avanços científicos e tecnológicos, assim como novos contextos na relação em sociedade.
A atual revisão resulta de uma ampla discussão com a classe médica, iniciada em março de 2016. Com o objetivo de garantir a participação qualificada da comunidade médica e da sociedade, um processo de consulta pública foi aberto em julho daquele ano para que médicos e entidades organizadas da sociedade civil pudessem expressar suas opiniões e sugestões.
Foram realizados 671 cadastros e encaminhadas 1.434 propostas até o prazo-limite de 31 de março de 2017. As sugestões recebidas puderam indicar alteração, inclusão ou exclusão de texto do código em vigor. Elas foram analisadas pela Comissão Nacional e pelas Comissões Estaduais de Revisão do Código de Ética Médica.
O trabalho foi coordenado pelo CFM e contou com a participação dos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), conselheiros, representantes de entidades e consultores especialistas das áreas de Bioética, Filosofia, Ética Médica e Direito, entre outras, os quais formaram a Comissão Nacional e as Comissões Estaduais de Revisão. Foram promovidos, além das reuniões de trabalho locais e nacionais, três encontros regionais e três nacionais para debater e deliberar sobre exclusão, alteração e adição de itens ao texto vigente.
Diretrizes – Para facilitar a compreensão das novas diretrizes, o novo texto mantém o mesmo número de capítulos, que abordam princípios, direitos e deveres dos médicos. Entre as principais novidades está o respeito ao médico com deficiência ou doença crônica, assegurando-lhe o direito de exercer suas atividades profissionais nos limites de sua capacidade e também sem colocar em risco a vida e a saúde de seus pacientes.
Também ficou definido que o uso das mídias sociais pelos médicos será regulado por meio de resoluções específicas, o que valerá também para a oferta de serviços médicos à distância mediados por tecnologia. No âmbito das pesquisas em medicina, o novo Código de Ética Médica manteve a proibição do uso do placebo de maneira isolada em experimentos, quando houver método profilático ou terapêutico eficaz.
Outro avanço incorporado ao Código é a obrigação da elaboração do sumário de alta e entrega ao paciente quando solicitado (documento importante por facilitar a transição do cuidado de uma forma mais segura, orientando a continuidade do tratamento do paciente e realizando a comunicação entre os profissionais e entre serviços médicos de diferentes naturezas).
Da mesma forma, o CEM autoriza o médico, quando for requisitado judicialmente, a encaminhar cópias do prontuário sob sua guarda diretamente ao juízo requisitante. No código anterior, esse documento deveria ser disponibilizado ao perito médico nomeado pelo juiz.
Tradição – “O processo de revisão do CEM aliou o espírito inovador à preservação dos princípios deontológicos da profissão, possibilitando a discussão, avaliação e manutenção de avanços instituídos no código de 2009 e dos princípios basilares da atividade médica previstos em versões anteriores e na história da ética médica”, destacou Vinagre.
Entre as diretrizes mantidas, estão a consideração à autonomia do paciente e o respeito à sua dignidade quando em estado terminal, a preservação do sigilo médico-paciente e a proteção contra conflitos de interesse na atividade médica, de pesquisa e docência
“Tanto na revisão do Código realizada em 2009, como desta vez, mantemo-nos fiéis às diretrizes norteadoras estabelecidas em 1988, baseadas na dignidade humana e na medicina como a arte do cuidar”, ressalta o coordenador da Comissão Nacional de Revisão do Código de Ética Médica e presidente do CFM, Carlos Vital, ao avaliar a forma de condução dos trabalhos.
Com o intuito de assegurar o cumprimento do Ato Médico, o Código de Ética garante ainda a valorização do prontuário como principal documento da relação profissional; a proibição à cobrança de honorários de pacientes assistidos em instituições que se destinam à prestação de serviços públicos; e o reforço à necessidade de o médico denunciar aos CRMs aquelas instituições públicas ou privadas que não ofereçam condições adequadas para o exercício profissional ou não remunerem digna e justamente a categoria.
Confira algumas novidades do Código de Ética Médica
Diretriz |
Referência no Código |
O novo código transfere a regulação da telemedicina e do uso das mídias sociais para resoluções avulsas, passíveis de frequentes atualizações, impondo ao médico a obrigatoriedade do respeito às normas emanadas pelo CFM. |
Cap. V Art. 37 § 1º O atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina. § 2º Ao utilizar mídias sociais e instrumentos correlatos, o médico deve respeitar as normas elaboradas pelo Conselho Federal de Medicina. |
Garante respeito ao médico com deficiência ou doença crônica, garantindo suas atividades profissionais nos limites de sua capacidade e segurança do paciente |
É direito do médico: Cap. II XI – É direito do médico com deficiência ou com doença, nos limites de suas capacidades e da segurança dos pacientes, exercer a profissão sem ser discriminado. |
Nas pesquisas, manteve a vedação ao uso de placebo isolado |
É vedado ao médico: Cap. XII Art. 106 Manter vínculo de qualquer natureza com pesquisas médicas em seres humanos que usem placebo de maneira isolada em experimentos, quando houver método profilático ou terapêutico eficaz. |
Criou normas de proteção de sujeitos participantes em pesquisa vulneráveis |
Cap. XII Art. 101 § 1º No caso de o paciente participante de pesquisa ser criança, adolescente, pessoa com transtorno ou doença mental, em situação de diminuição de sua capacidade de discernir, além do consentimento de seu representante legal, é necessário seu assentimento livre e esclarecido na medida de sua compreensão. Cap. XII Art. 105 É vedado ao médico: Realizar pesquisa médica em sujeitos que sejam direta ou indiretamente dependentes ou subordinados ao pesquisador. |
Nas pesquisas, passou a permitir o acesso a prontuários, sem TCLE, em estudos retrospectivos quando autorizados por comissões de ética em pesquisa em seres humanos |
Cap. XII Art. 101 § 2º O acesso aos prontuários será permitido aos médicos, em estudos retrospectivos com questões metodológicas justificáveis e autorizados pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) ou pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). |
Institui a obrigação da elaboração do sumário de alta e entrega ao paciente quando solicitado. |
Cap. X Art. 87 § 3º Cabe ao médico assistente ou a seu substituto elaborar e entregar o sumário de alta ao paciente ou, na sua impossibilidade, ao seu representante legal. |
Agora, quando for requisitado judicialmente, deve encaminhar cópias do prontuário sob sua guarda ao juízo requisitante. |
Cap. X Art. 89 § 1º Quando requisitado judicialmente, o prontuário será encaminhado ao juízo requisitante. |
Conheça os pontos mantidos, entre muitos outros:
Diretriz |
Referência no Código |
A consideração para com a autonomia do paciente. |
Cap. V Art. 31 É vedado ao médico: Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
Cap. I XXI – No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.
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A proteção aos ditames de consciência do profissional |
Cap. I VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.
Cap. II IX – É direito do médico: Recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência. |
O respeito à dignidade do paciente terminal. |
Cap. I XXII – Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.
Cap. V Art. 41 Parágrafo Único – Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. |
A importância da preservação do sigilo do paciente. |
Cap. I XI – O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.
Cap. IX Art. 78 – É vedado ao médico: Deixar de orientar seus auxiliares e alunos a respeitar o sigilo profissional e zelar para que seja por eles mantido.
Cap. X Art. 85 – É vedado ao médico: Permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua responsabilidade. |
A proteção do paciente contra conflitos de interesse do profissional. |
É vedado ao médico: Cap. III Art. 20 – Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade. |
A vedação à cobrança de pacientes atendidos pelo SUS. |
É vedado ao médico: Cap. VIII Art. 65 – Cobrar honorários de paciente assistido em instituição que se destinam à prestação de serviços públicos, ou receber remuneração de paciente como complemento de salário ou de honorários. |
A valorização do prontuário médico como principal documento da relação profissional. |
É vedado ao médico: Cap. X Art. 87 – Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente. § 1º O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina. |
* Com informações do Conselho Federal de Medicina (CFM)