JSBD – Ano 23 – N.02 – MARÇO-ABRIL
A importância de um profissional qualificado para a realização de procedimentos estéticos dermatológicos. Esse foi o mote do Seminário Cosmiatria e Laser: beleza à luz da medicina, ocorrido no último dia 7 de maio, na sede de O Globo, no Rio de Janeiro. Organizado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) em parceria com o jornal, o evento teve a duração de quatro horas divididas entre uma apresentação inicial e três mesas, que abordaram desde a importância da formação correta na especialidade, cumprimento das normas éticas e os riscos de procedimentos realizados por quem não é habilitado, até o avanço do mercado cosmiátrico e como ele pode auxiliar as pessoas na busca de saúde, bem-estar e beleza. A mediação das mesas foi de Marina Caruso, diretora de redação da revista Ela.
Embora seja amplamente divulgada a informação de que procedimentos estéticos invasivos devem ser realizados exclusivamente por médicos habilitados, o número de denúncias sobre o exercício ilegal da profissão é crescente. Entre 2017 e 2019 (até o fechamento desta edição) foram apresentadas 833 representações da SBD na Justiça em defesa do cumprimento da Lei do Ato Médico.
Os dados acima podem ser reforçados, por exemplo, como o depoimento da jornalista Priscilla Aguiar, que na abertura do evento falou sobre sua experiência pessoal durante um procedimento estético. Depois de uma rinomodelação com ácido hialurônico realizada por uma biomédica, o procedimento evoluiu para uma necrose de pele, e ela precisou fazer vários tratamentos para recuperar os danos. “A ação de não médicos deve ser combatida pelas autoridades, pois traz insegurança a pacientes e seus familiares”, comentou Sergio Palma, presidente da SBD, reforçando a ideia de que só médicos podem definir qual substância e a quantidade a ser aplicada em cada procedimento. “Considere-se que, mesmo se todos os cálculos forem corretos, a paciente ainda pode sofrer uma reação, e o médico dermatologista deve estar preparado para uma intervenção imediata de emergência para garantir a vida e a integridade de quem ele trata”, complementou.
Procedimento consciente
Na mesa “Beleza e saúde da pele: a dermatologia no centro da atenção”, Palma, na companhia de Alessandra Romiti, coordenadora do Departamento de Cosmiatria da SBD; Carmita Abdo, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP); e da atriz Luiza Brunet, falaram sobre os inúmeros procedimentos que estão inseridos na cosmiatria e como a dermatologia cosmiátrica do Brasil é reconhecida mundialmente. Além disso, abordaram a importância de o planejamento ser feito de forma consistente e por um médico especialista, já que, muitas vezes, o paciente pode ter alguma contraindicação para um tratamento que, na teoria, seria o mais indicado.
Carmita Abdo chamou atenção sobre o fato de como mudar a aparência virou uma obsessão, especialmente entre os mais jovens, que muitas vezes acabam fazendo mudanças no corpo que serão irrecuperáveis mais tarde. “Vivemos no país onde o culto ao belo é o maior do mundo. Isso é positivo, mas também temos que encontrar beleza não apenas no aspecto físico. É preciso buscar outros recursos para se tornar interessante. E talvez aí estejamos falhando em buscar a beleza em outras possibilidades”, pontuou.
Outro assunto que mereceu atenção especial foi o disformismo, bem como a importância do diagnóstico diferencial, já que vai determinar se o paciente possui algum distúrbio psíquico ou se merece de fato uma intervenção. “Quando a pessoa tem um disformismo muito evidente o diagnóstico é fácil. Algumas vezes, porém, pode ser algo muito sutil. É preciso saber se o paciente pode passar por algum procedimento mesmo ou se é um transtorno. Se for transtorno, será um paciente eternamente insatisfeito”, frisou Alessandra Romiti.
Ainda a respeito desse tema, Palma falou sobre a questão do acolhimento na relação médico/paciente, enfatizando que a confiança entre as partes é fundamental para o tratamento se desenvolver da melhor forma possível. “Em simpósios, tem-se abordado muito a ética médica. A humanização dessa relação tem sido muito falada pela SBD com os associados. Lançamos, aliás, um guia sobre o assunto”, disse.
Os participantes dissertaram, ainda, sobre o modo como o avanço das tecnologias acabou gerando um afastamento das pessoas e como a medicina tem tentado andar na contramão, trazendo o paciente mais para perto. “É importante que as escolas de medicina também se atualizem no ensino da psicologia médica e que incorporem essas mídias sociais no ensino dessa relação entre médico e paciente”, esclareceu Carmita.
Limites da publicidade e complicações em procedimentos
Durante a segunda mesa, “A era dos injetáveis: habilitação e segurança dos procedimentos”, José Fernando Maia Vinagre, corregedor do Conselho Federal de Medicina (CFM), falou sobre a função dos conselhos de medicina, que têm três papéis fundamentais em sua estrutura: legislar todo o exercício profissional do médico; fiscalizar; e julgar, por meio da corregedoria, os possíveis erros médicos e queixas a respeito do exercício da profissão.
“Nosso parâmetro máximo é o Código de Ética Médica, que acabou de ser revisado. O documento abrange tudo que envolve o exercício da profissão, incluída a publicidade”, ressaltou, lembrando que é preciso ser bastante rígido e atento aos movimentos nas redes sociais, já que elas têm enorme alcance em toda a população, das pessoas mais humildes às mais bem informadas.
“Infelizmente, no aspecto da estética, as redes têm contribuído de uma maneira ruim. E aí acontecem casos como o do Dr. Bumbum. Eu posso, hoje, enquanto corregedor do CFM, afirmar que ele está impedido de exercer a profissão”, concluiu. Vinagre também lembrou que o médico cassado costumava fazer o que é condenado eticamente, como expor suas pacientes, divulgar procedimentos médicos não reconhecidos cientificamente e prometer resultados. “Um dos pilares da medicina é a não promessa de resultados”, enfatizou.
Outro ponto levantado foi a publicidade de médicos feita por blogueiros. Vinagre lembrou o caso de uma blogueira que foi realizar um procedimento com um cirurgião plástico e o combinado seria o médico fazer gratuitamente e ela divulgar em suas redes. Porém, não poderia dizer que foi de graça, já que o Conselho não permite parcerias assim. “Mas o procedimento não teve o resultado esperado, e ela o denunciou”, concluiu o corregedor.
Meire Parada, médica dermatologista da SBD, falou sobre os tratamentos e as complicações de preenchimento que podem acontecer. “Essa questão de complicar é verdadeira, ela existe”, pontuou, acrescentando que os profissionais devem estar habilitados a tratar, também, possíveis complicações que ocorram.
Já Simone Braga, gerente da Coordenação de Vigilância em Saúde do Município do Rio, lembrou a necessidade de os médicos seguirem as diretrizes do Primeiro Código Sanitário do Município. O documento, que normaliza as regras sanitárias que todos os estabelecimentos devem seguir, tem determinações também para os consultórios médicos.
“Todos devem estar expostos a licença sanitária. A licença é obtida online, então não há dificuldade para o profissional tirar; as regras são muito claras. Optamos por trabalhar por autodeclaração, basicamente”, explicou. Ela disse ainda que apenas alguns estabelecimentos de alta complexidade, como farmácias de manipulação, clínicas de hemodiálise, hospitais e clínicas com internação, precisam de inspeção prévia como pré-requisito para obtenção da licença. Outro ponto levantado por Simone foi a questão de alguns médicos importarem de outros países equipamentos e medicamentos cuja utilização no Brasil não é autorizada pela Anvisa.
Prevenção, individualidade e modismos
A última mesa, “Tratamentos e cuidados dermatológicos: o futuro é agora”, chamou atenção para a palavra-chave na dermatologia atual: prevenção. Patrícia Ormiga, assessora do Departamento de Cosmiatria da SBD, abriu a mesa falando brevemente sobre a importância de começar desde cedo o cuidado com a pele e com o ser humano como um todo, evoluindo ao longo dos anos, de forma que esse envelhecimento seja feito da melhor forma possível. Em seguida, Bruna Duque-Estrada, assessora do Departamento de Cabelos e Unhas da SBD, acrescentou que hoje a medicina também trata da individualidade. “Quando falamos em evidência científica e estudos, sabemos que existe um elevado percentual de pacientes que responde a um determinado tratamento, mas existe um percentual menor que não responde ou que responde em níveis mais baixos. E eu acho que o futuro está aí, em conseguir individualizar. Com isso, você consegue muitas vezes diagnosticar e tratar precocemente, mas também minimizar os efeitos colaterais de possíveis complicações”, alertou.
Outro ponto foi quanto aos dermatologistas especializados em pele negra. Patrícia explicou que todo dermatologista tem uma formação universal para tratar qualquer tipo de pele. “É importante que isso fique claro. Todas as residências médicas e serviços médicos de formação estão muito atentos e muito preocupados em fazer uma formação completa. Existem profissionais que, no campo da estética, podem até ter mais experiência com a pele negra, mas todo dermatologista está apto e tem conhecimento para tratar todo tipo de pele, incluindo doenças, acometimentos que não sejam só estéticos e a parte estética também”, enfatizou.
Ao final, Ormiga voltou a lembrar a importância de os médicos orientarem os pacientes sobre a solicitação de cada pessoa ser adequada ou não para seu caso. “O diagnóstico, a avaliação e a colocação do profissional, no sentido de dizer se algo funciona ou se vai ficar bem, é fundamental. E se não for ficar, que não faça”, registrou. Ela levantou também a questão do modismo, com procedimentos como retirar definitivamente os pelos de uma região específica.
“Hoje, o paciente pode não querer barba nenhuma, mas mais para frente pode querer. Então, é importante que se pese isso no momento da decisão”, complementou. “Estamos dentro de uma sociedade de modismos. E modismo e saúde às vezes não combinam. Então, nosso papel na sociedade, como médico, é alertar a população a não simplesmente optar pelo que está na moda, mas pesar o risco e o benefício. Porque isso pode custar caro, tanto para a saúde quanto para a própria vida”, enfatizou Bruna.
Além das especialistas, também estiveram na mesa a atriz Cris Vianna e o cantor Paulo Ricardo, que relataram suas experiências com dermatologistas.