Natureza na dermatologia
Outros Olhares
O uso de plantas sempre esteve presente na sociedade para tratar e curar males do corpo. Não à toa, alguns desses ingredientes se mantêm até hoje em composições de medicamentos e são prescritos por médicos de diferentes especialidades. A ciência, constantemente, estuda a aplicações de óleos essenciais e vegetais em tratamentos diversos. Isso também ocorre na dermatologia – inclusive, dentre as especialidades médicas, talvez seja a que mais faz uso de fitoterápicos e medicamentos que tenham plantas como um dos componentes.
A seguir, Tatiana Villas Boas Gabbi, a nutróloga e dermatologista da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), compartilha seus conhecimentos sobre o uso desses produtos na rotina médica dos dermatologistas e como eles podem auxiliar o tratamento de inúmeras doenças de pele.
“Eu não acredito em uma dermatologia que seja exclusivamente feita com produtos naturais. E digo isso baseada pela própria ciência. Acho complexo privar o paciente de alternativas alopáticas que resolveriam, de fato, o problema dele. Mas também não acho interessante excluir totalmente as alternativas naturais só porque a Ciência desenvolveu determinados medicamentos. Até porque é preciso dizer que, sim, também existe ciência nos produtos naturais. Como já disse, vejo o natural como um tratamento complementar e nunca como substitutivo”.
Leia a íntegra da entrevista:
JSBD – Qual é a visão da dermatologia sobre suplementos naturais voltados para o tratamento de doenças de? Eles ajudam no tratamento de alguma dermatite, por exemplo? Aumentam imunidade?
Tatiana Villas Boas Gabbi – Existem muitos produtos que são fitoterápicos e que têm essas funções mesmo, ou seja, podem melhorar a imunidade, a parte da ansiedade e que podem fazer parte de diversos tratamentos. Mas, como qualquer outro medicamento, têm pessoas que vão se adaptar melhor e outras que não vão responder tão bem ao uso. Então, eu acredito que exista, sim, lugar para o uso desses produtos, mas desde que se use com consciência de que pode não funcionar. Pode ser usado como uma suplementação, uma complementação, ao tratamento convencional, mas não como uma substituição. Na dermatologia usamos vários produtos de origem natural no dia a dia e temos resultados muito interessantes. Então, não existe a visão de que, por ser natural, não funcione ou seja inócuo. Vejo como um tratamento complementar e nunca como substitutivo.
JSBD – O que acha dos óleos essenciais e vegetais?
TVBG – A aromaterapia é uma ciência muito incipiente ainda. Pouco se sabe exatamente sobre a forma como age, mas acredita-se que seja por meio do sistema límbico, que é um sistema mais rudimentar do cérebro e que guarda sensações. É um sistema que não participa dos pensamentos lógicos, mas sim, é ligado com sentimentos, com as reações emocionais. Então, alguns desses aromas deflagram essa parte do cérebro, e aí se tem alguns resultados interessantes, principalmente nessas doenças que têm envolvimento da parte psicológica do paciente. Dessa forma, a gente consegue melhorar a ansiedade, o estresse e outros sentimentos. Nesse sentido, os óleos essenciais, através da aromaterapia, podem ajudar o paciente como um todo, mas, como disse anteriormente, sempre complementando o que o dermatologista prescreveu. Sempre na complementariedade, jamais na substituição. Porém, existe uma confusão muito grande entre óleos vegetais versus os óleos essenciais. Os essenciais são a essência da planta, no sentido do aroma da planta, daquela qualidade que a planta exala, é a sua alma. E o óleo vegetal, não. Ele é um óleo mesmo, também é feito de plantas, mas é um óleo oleoso. Um óleo essencial não é oleoso, ele tem esse nome, mas não é. E não deve ser usado em massagens se não estiver diluído em óleo vegetal, já que pode queimar a pele se usado sozinho ou em quantidade grande. Já o óleo vegetal é extremamente compatível com a pele, porque ele é um óleo de origem biológica. Então, ele tem várias moléculas compatíveis com a pele. Quando fazemos massagem com o óleo vegetal combinado com o essencial, podemos ter diversas vantagens para o relaxamento, para dores etc. Vale lembrar que alguns óleos essenciais podem ser considerados antissépticos, como, por exemplo, o óleo de melaleuca, que é muito estudado; ou o óleo de lavanda, que é extremamente relaxante. Existem muitos estudos nesse sentido.
JSBD – Há pessoas que usam, regularmente, inúmeros produtos naturais no seu dia a dia. Até que ponto esses tratamentos ajudam? E se não ajudarem, chegam a atrapalhar?
TVBG – Alguns óleos vegetais podem, sim, funcionar para ajudar a dermatite. Já os óleos essenciais podem ajudar, por exemplo, uma criança com dermatite atópica que está com dificuldade para dormir. É uma tentativa válida. Alguns produtos de origem natural podem atuar também como probiótico, ou seja, as fibras atuam como produtos que vão ajudar no funcionamento do intestino, como o kefir e a kombucha, que também podem ajudar na imunidade, na resposta inflamatória em alguns casos, por exemplo. Mas embora alguns deem uma boa resposta, é preciso cautela. Vejo muitos colegas se queixarem de pessoas que vão para a cozinha, começam a descascar frutas, batem no liquidificador e passam no rosto, no cabelo etc. E aí realmente complica, porque esses produtos têm, claro, alguma ação e isso pode causar problemas. A indústria estuda esses ingredientes isso com profundidade para entender qual é a melhor forma de entregar esses ativos para a pele, para o cabelo e até mesmo para as unhas. Então, é totalmente diferente usar a planta in natura versus usar algo que tenha aquilo na formulação.
JSBD – Há médicos que são mais abertos ao uso de medicamento naturais que outros (enquanto alguns apostam em algo mais natural como primeira tentativa antes de entrar com alopatia, outros condenam veementemente um tratamento fitoterápico). Essa é uma “rixa” de fato dentro da dermatologia ou são casos isolados?
TVBG – Eu acredito até que exista isso um pouco, que tenha um pouco de resquício disso, mas é um pouco de falta de observação por parte dos médicos que criticam os fitoterápicos, porque se a gente for observar, hoje em dia, todo mundo acaba utilizando alguma coisa. A indústria farmacêutica, a própria indústria cosmética, está utilizando cada vez mais os ativos vegetais nas formulações. A aloe vera, por exemplo, que é a babosa e tem um grande potencial de acalmar a pele e de hidratar o cabelo, é muito prescrita, ainda que não seja em uma formulação totalmente natural. E todo dermatologista sabe que ela é amplamente utilizada em vários produtos não naturais. Então, é bobagem ficar com rixa porque a gente sabe que são produtos que vão ajudar no tratamento. O que a gente não pode é suspender o tratamento e fazer um tratamento alternativo. Isso eu sou contra também. Agora, usar de forma integrativa algumas coisas, para compor o tratamento, e preservar aquele paciente de usar muitos medicamentos, utilizando alguns compostos mais naturais, é bem interessante.
JSBD – A água termal, por exemplo, é um produto teoricamente natural e que muitos dermatologistas receitam. Há outros medicamente amplamente usados na medicina – e especificamente na dermatologia – que sejam “acreditados” como as águas termais?
TVBG – Cada vez mais, a fitoterapia vem sendo reconhecida como uma modalidade terapêutica. Do ponto de vista da síndrome metabólica, existem muitos tratamentos coadjuvantes que podem ser feitos para poupar medicamentos mais agressivos. Se utiliza bastante o fitoterápico, por exemplo, para a questão do sono, para não precisar usar medicamentos mais sedativos; existem tratamentos para diminuir um pouco o impacto do açúcar no sangue, para ajudar no tratamento da diabetes; na ginecologia se usa o fitoterápico a base de soja para segurar um pouco os efeitos colaterais da menopausa; na obesidade se usa esses tratamentos para induzir à saciedade e diminuir compulsão alimentar. Então, fora da dermatologia, já está bastante consagrado o uso dos fitoterápicos em várias situações. Na dermatologia, o que eu possa falar é, por exemplo, sobre o pinheiro. O pinus pinaster que é usado para o melasma; o polypodium leucotomos, que também pode ser usado para o melasma e para reações fototóxicas à exposição a luz. Existem alguns fitoterápicos bem utilizados na dermatologia com esse intuito, já que as plantas têm que se proteger da exposição ao sol e, por isso, possuem uma grande quantidade de antioxidantes e de substâncias que melhoram a fotoproteção de dentro para fora. São produtos que vimos, sim, utilidade, mas se enxergamos como coadjuvantes no tratamento.
JSBD – Você enxerga, em alguns casos, vantagens do uso de naturais no lugar de alopáticos?
TVBG – Os produtos naturais têm várias vantagens em relação ao artificiais. E tem muita gente que realmente usa bastante. Mas é preciso prestar sempre bastante a atenção, porque alguns desses produtos têm uma quantidade grande de óleos essenciais que podem ser irritativos para a pele. Existe, por exemplo, a possibilidade de a pessoa usar um óleo essencial que era destinado a aromaterapia e, por não saber os riscos, usar isso direto na pele de forma errada e ter uma dermatite de contato. Isso pode acontecer. Então, nós, médicos, precisamos ficar atentos à hora de prescrever e explicar bem. Não é que os tratamentos não possam ser feitos e nem que eles não ajudem, mas pode ter um problema com o uso errado, sem a consciência correta da forma de utilizar. Já vi dermatite de contato periungueal por pessoas que usaram óleo puro de melaleuca por vários dias seguidos direto na região em volta da unha, que é uma área extremamente sensível.
JSBD – Dentro desse universo de produtos naturais, o que pode ser útil para melhorar algum problema específico de pele? Algum óleo ou creme com determinados ingredientes para rosácea ou dermatite atópica? Óleos mais densos para psoríase?
TVBG – Alguns dos produtos indicados para rosáceas têm ativos vegetais, como os óleos vegetais, a própria aloe vera, e alguns outros ativos que vem de plantas. A dermatite atópica também se beneficia muito dos óleos vegetais. É preciso lembrar também que alguns produtos que a gente usa para acalmar a pele, e que são industrializados, são basicamente uma combinação de óleos vegetais e óleos essenciais em concentrações que beneficiam a pele. Tem muitos produtos usados hoje em dia que são, quase que totalmente, óleos vegetais, como o óleo de rosa mosqueta e o óleo de amêndoa ¬– esse último, inclusive, sempre foi utilizado muito em dermatologia nas formulações para estrias.
JSBD – Ainda que alguns suplementos naturais não tratem especificamente a doença, se ajudar no sistema imunológico e/ou emocional, de alguma forma, é válido?
TVBG – Com certeza. A gente tem algumas influências do ambiente, não só da imunidade, mas também o próprio sono, a poluição etc. Em vários fatores o uso desses fitoterápicos pode ajudar. A criança que tem dificuldade para dormir pela dermatite atópica, ou o próprio adulto, como eu disse antes, pode usar o Hypericum. Há também a melatonina. Existem outros ativos, que são fitoterápicos, que ajudam nessa indução ao sono de uma forma natural. Então, mesmo que não se utilize para a doença propriamente dita, a gente consegue melhorar os fatores de risco e o ambiente que cerca esse paciente.
JSBD – Há alguma pesquisa que aponte os benefícios e malefícios de produtos naturais na dermatologia? Se sim, fale sobre isso.
TVBG – Existe pesquisa, sim, mostrando bons resultados no uso de produtos naturais na dermatologia. E como é muito de praxe na ciência, existem poucos estudos mostrando os efeitos negativos. Como eu citei, o mais frequente que a gente observa é justamente o abuso dos óleos essenciais por falta de conhecimento dos pacientes, usando de forma inadequada e causando dermatite de contato, já que esses ativos, esses óleos essenciais, são ricos em limoneno e geraniol, que são muito alergênicos e irritativos para um grupo de pessoas que têm a pele mais sensibilizada. E, normalmente, são essas pessoas que utilizam dessa forma. Mas isso não faz com que o produto não tenha o seu valor. Nesses casos, ele somente foi utilizado da forma errada. Então, eu não diria que é um malefício. Quando se tenta atribuir um valor que aquilo não tem ou tenta usar da forma inadequada, vai acontecer um problema. Mas isso não justifica a pessoa nunca mais usar e também não desvaloriza o produto. E esse é um ponto importante que temos que ficar atentos. Existe, sim, lugar para os ativos naturais desde que se saiba o que o paciente está usando. Outra situação complicada é quando o paciente vai ao dermatologista, adota um tratamento que não foi prescrito, e não conta para o médico no retorno. Isso é um problema. Porém, na maior parte das vezes, conseguimos retornar ao tratamento. Por isso é sempre importante um diálogo franco entre o paciente e médico dermatologista.
JSBD – A “onda” da cosmetologia/medicamentos naturais está cada vez mais forte, seja pelo fortalecimento que quer se dar a pequenos empreendedores e/ou por buscar produtos que não sejam testados em animais etc. Afinal, é possível uma dermatologia apenas com produtos assim?
TVBG – Eu não acredito em uma dermatologia que seja exclusivamente feita com produtos naturais. E digo isso baseada pela própria ciência. Acho complexo privar o paciente de alternativas alopáticas que resolveriam, de fato, o problema dele. Mas também não acho interessante excluir totalmente as alternativas naturais só porque a ciência desenvolveu determinados medicamentos. Até porque é preciso dizer que, sim, também existe ciência nos produtos naturais. Como já disse, vejo o natural como um tratamento complementar e nunca como substitutivo.