E a pessoa idosa na quarentena?
JSBDv24n3 – maio/junho 2020
Com a palavra
Não são os mais fortes que sobrevivem, e sim os mais adaptados às mudanças do seu ambiente…1 Em tempos de pandemia, incrível como a teoria de Charles Darwin sobre A origem das espécies (1869) soa tão oportuna e atual!1 Surpreende como cada um, dentro do seu habitat e de suas limitações pessoais, se movimentou para se adequar ao novo modus operandi. Todos nós, homens, mulheres, adultos, crianças e idosos, sem exceção, temos sofrido o impacto profundo de um vírus que, literalmente, acuou bilhões de pessoas em todo o mundo.
Indivíduos com mais idade, devido ao maior risco de complicações pelo SARS-CoV-2, foram os mais afetados.2 Além do fator etário (imunossenescência), comorbidades associadas também contribuíram para que governos recomendassem medidas de isolamento dessa população.2 Apesar do benefício de prevenção de contágio nesses indivíduos e, assim, evitando mortes, alguns efeitos colaterais são inevitáveis. Isolamento e restrição de movimento trazem óbvias consequências negativas a qualquer ser humano. Distanciamento dos entes queridos, privação da liberdade, preocupação com a saúde (própria e de familiares) e incerteza sobre a duração desse árduo processo geram ansiedade e medo…3
E as doenças de pele, como ficam nesse cenário?
Estudos têm relacionado estresse psicológico e distúrbios de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão com início ou piora de inúmeras dermatoses.3 Embasamento para essa conexão se origina em modulações neuroendócrinas de sistemas inflamatórios.3 Assim, eventos estressantes, como aqueles resultantes pela atual crise sanitária, podem sim desencadear início ou recorrência de psoríase, prurido crônico, urticária e dermatite atópica.3
Do ponto de vista oncológico, cenários bastante desafiadores surgem. Segundo estudos nacionais da Sociedade Brasileira de Dermatologia, dentre os idosos, as neoplasias pré-malignas e malignas se destacam como as enfermidades mais frequentes nas consultas dermatológicas.4,5 Não é difícil imaginarmos a quantidade expressiva de pacientes geriátricos, tanto do sistema público quanto do suplementar, temporariamente sem atendimentos… O agendamento de uma consulta ambulatorial, de forma geral, tem exigido paciência e persistência dos doentes. Assim, certamente, enfrentaremos mais impactos negativos relacionados a diagnósticos tardios e tratamentos clínico-cirúrgicos prejudicados.
Em que sentido nós, dermatologistas, podemos contribuir para a pessoa idosa nesse cenário de distanciamento?
Primeiramente, como profissionais da saúde e influenciadores de outros ao nosso redor, precisamos enfatizar a necessidade de três pontos básicos na rotina dos mais velhos: autocuidado (higiene pessoal, alimentação), atividades produtivas (tarefas do lar, atividade física, pesquisas on-line) e lazer (jogos, filmes, redes sociais, jardinagem).6 Outro quesito essencial é evitar que o distanciamento físico cause isolamento social. Assim ligações telefônicas regulares e videochamadas entre familiares e amigos são cruciais para evitar sentimentos de solidão e desamparo. Em relação ao nosso ofício, especialmente nesse cenário do novo coronavírus, estou convicto do papel da telemedicina e, em particular a teledermatologia, na melhora do acesso a serviços de saúde com qualidade e otimização de recursos. Indivíduos e comunidades podem ser beneficiados tanto em nível assistencial (teletriagem, teleconsulta) como na prevenção de doenças e promoção de saúde.
Por último, para refletirmos… deixo uma citação inspiradora de Madre Teresa de Calcutá: “Podemos curar as doenças físicas com remédios, mas a única cura para solidão, desespero e falta de esperança é o amor.”
Referências:
1. Conor Cunningham. Survival of the fittest. Encyclopaedia Britannica. 11 Feb 2020. https://www.britannica.com/science/survival-of-the-fittest [citado 2020 jun 21].
2. Franceschi, C., Garagnani, P., Parini, P. et al. Inflammaging: a new immune–metabolic viewpoint for age-related diseases. Nat Rev Endocrinol 14, 576–590 (2018). https://doi.org/10.1038/s41574-018-0059-4
3. Garcovich, S.,Bersani, F., Chiricozzi, A. and De Simone, C. (2020), Mass quarantine measures in the time of COVID-19 pandemic: psychosocial implications for chronic skin conditions and a call for qualitative studies. J Eur Acad Dermatol Venereol. doi: 10.1111/jdv.16535
4. Sociedade Brasileira de Dermatologia. Perfil nosológico das consultas dermatológicas no Brasil. An Bras Dermatol. 2006;81(6):549-58.
5. Sociedade Brasileira de Dermatologia, Miot HA, Penna GO, Ramos AMC, Penna MLF, Schmidt SM, Luz FB, Sousa MAJ, Palma SLL, Sanches Junior JA. Profile of dermatological consultations in Brazil (2018). An Bras Dermatol. 2018;93(6):916-28.
6. Agência Brasília. Idosos precisam se manter ativos durante a quarentena. [citado 2020 jun 21]. https://agenciabrasilia.df.gov.br/2020/04/22/idosos-precisam-se-manter-ativos-durante-quarentena/