Dermatologia multirracial



Dermatologia multirracial

27 de janeiro de 2020 0

JSBD – Ano 23 – N.06 – 01 – DEZEMBRO-FEVEREIRO

Dra. Ivonise
Membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia |
Mestre e doutora em Dermatologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Em 2018, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que cerca de 19 milhões de brasileiros se declaravam negros no país, um número pequeno se considerarmos que a população brasileira ultrapassa 210 milhões de pessoas. Mesmo sendo menos expressivo do que se imaginava, esse número foi 32,2% maior em relação à mesma pesquisa realizada em 2012. O aumento de pessoas que se declararam negras mostra que, de certa forma, políticas afirmativas sobre cor e raça têm desempenhado papel importante na conquista de espaço na sociedade. Ainda há, porém, um longo caminho a percorrer em diferentes campos, a medicina incluída.
 
As faculdades de medicina, em sua maioria, ainda hoje não abordam as diferenças de cor e etnia. Isso pode ser atribuído à pequena proporção de alunos negros nos cursos médicos. De algum tempo para cá, entretanto, até pelo fato de mais estudantes negros estarem chegando aos cursos de formação, a especialização nas particularidades da pele negra tem chamado a atenção de profissionais da área, especialmente devido à demanda da população em busca de tratamentos.

 

Tratamentos
Não há exatamente um tratamento dermatológico exclusivo para a pele negra. Ao se deparar com uma pele doente, caberá ao especialista avaliar se a cor e a quantidade de melanina podem ou não influenciar a aparência da lesão ou aspectos específicos do tratamento. “A miscigenação é muito grande no Brasil, e a cor da pele não é um bom indicativo de etnia ou de genética de origem africana. Por isso, aliás, muitas vezes há o aparecimento de dermatoses ditas da pele negra em pessoa de cor branca”, explica Ivonise Follador, médica dermatologista da SBD e mestre e doutora pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
 
Embora a expressão “especialista em pele negra” não seja tão bem aceita pela classe médica – especialmente no Brasil, cuja população é tão miscigenada –, é preciso entender que mesmo com doenças iguais, os tratamentos indicados para pacientes com pele negra ou branca podem ser diferenciados. De acordo com Ivonise Follador,  enfermidades que levam a discromias, por exemplo, na pele negra ou miscigenada assumem frequentemente aspectos diferentes daqueles que mostram em pessoas de  pele branca. “No caso de vitiligo, o contraste é maior, chamando muita a atenção e causando impacto maior. Por outro lado, como tem mais melanina nas bordas, as repostas ao tratamento costumam ser mais rápidas e melhores. No caso do melasma, o contraste não é tão grande, mas é muito mais difícil de tratar. Na psoríase não se encontram tantos eritemas e as lesões podem assumir aspecto mais escuro, violáceo ou esbranquiçado”, detalha a médica, lembrando, porém, que muitas das alterações de manchas escuras na pele negra, como escurecimento peribucal, em mucosas e ao redor de unhas, são consideradas normais ou fisiológicas pela dermatologia.
 
Ainda sobre as especificidades das dermatoses na pele negra, Ivonise afirma que há muitos diagnósticos complexos, como a micose fungoide hipocromiante, que é mais comum em afrodescendente e que muitos médicos ainda diagnosticam como desidratação da pele ou eczematide. “Poderíamos falar também de algumas dermatoses um pouco mais frequentes em negros, como a dermatose papulosa negra, a hipercromia pós-inflamatória, os queloides, as úlceras de anemia falciforme, a pseudoacantose nigricante e a foliculite queiloidiana da nuca. E os especialistas devem ficar atentos também à idade desse paciente negro, já que na fase mais avançada da vida costuma-se ter a pele mais espessa e seca, bem como dificuldades na produção de vitamina D, além de tendência a manchas e queloides. “Esses aspectos devem ser muito bem observados e cuidados com especificidade”, esclarece a dermatologista.
 

Beleza
Importante destacar que os valores e as noções de beleza definidos pela estética branca dominante estão sendo questionados mais do que nunca pela sociedade. No contexto da medicina, muitas pessoas negras que procuram tratamentos estéticos com médicos dermatologistas não buscam simplesmente afinar traços ou clarear a pele como forma de imitação da beleza branca. Ao contrário: estão procurando alternativas saudáveis de beleza, que, segundo a intelectual negra e teórica feminista Bell Hooks, “pode ser encontrada em qualquer forma de negritude que não é uma imitação de branquitude”. Cada etnia possui características próprias e tem a sua beleza. “E cabe a nós, médicos, escutar o que aquele paciente tem a dizer e prescrever procedimentos adequados e que, acima de tudo, respeitem a história de cada um”, frisa a médica Ivonise Follador.

 





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