Tecnologia na medicina: ajuda ou atrapalha?
JSBD – Ano 23 – N.05
A tecnologia está cada vez mais presente no mundo contemporâneo. Desde compras on-line a pesquisas sobre diferentes assuntos, a rede também tem mudado a forma como as pessoas se relacionam. E na medicina essa realidade não é diferente. De um lado, os pacientes que podem acessar aplicativos específicos e outros dispositivos para controlar e acompanhar suas funções vitais, atividades esportivas, sono e cuidados com alimentação. De outro, médicos que utilizam diferentes ferramentas para os auxiliar no cuidado com a saúde de seus pacientes, usando, por exemplo, prontuários eletrônicos que facilitam o registro padronizado das informações; o armazenamento de imagens para documentação da evolução das doenças; o acesso aos dados de onde quer que esteja; e a emissão de receitas sem o risco de caligrafias ilegíveis.
O dermatologista Pedro Dantas é um entusiasta da tecnologia. Para ele, novas tecnologias devem ser vistas como ferramentas de auxílio no cuidado com a saúde, e não como empecilho à sua promoção. Lembra, aliás, que antes da internet o acesso à informação confiável era muito mais difícil. Além dos livros, tratados e eventualmente revistas científicas assinadas – que deveriam ser devidamente catalogadas e guardadas –, era primordial participar de eventos científicos, pois constituíam as principais oportunidades de atualização.
“Os recursos diagnósticos eram mais escassos, assim como o arsenal terapêutico, com alguns medicamentos de difícil aquisição. Hoje em dia, temos rápido acesso a um conteúdo imensurável e com grandes chances de tratar nossos pacientes com terapias atualizadas e baseadas em evidências. Os recursos diagnósticos têm-se mostrado cada vez mais precisos. Na dermatologia, especificamente, já existem algoritmos de análises de imagens de lesões pigmentadas com acurácia superior à de dermatologistas (Esteva et al. Nature, 2017)”, pontua.
O médico, entretanto, tem ressalvas sobre o uso indiscriminado da tecnologia para tudo.
“Atualmente, resolvemos quase tudo pelos aplicativos de mensagens e redes sociais. Mas é preciso cautela para que a relação humana entre médico e paciente não seja deixada de lado”, comenta e faz um alerta sobre consultas não presenciais: “Essa aparente facilidade esconde algumas armadilhas que devem ser consideradas em uma consulta médica. A consulta virtual reduziria o processo de maneira significativa. A anamnese se resumiria a um preenchimento de formulário; o exame físico se basearia em fotos ou vídeos enquadrados a critério dos pacientes; o diagnóstico baseado em algoritmos; e a conduta em consensos e protocolos preestabelecidos. Transformaríamos o cuidado à saúde em uma ciência exata, absoluta, cartesiana. O que faltaria nesse processo? A interação real entre médico e paciente, que é primordial para o acolhimento, direcionamento, gestão e compreensão de fatores que perpassam os formulários e fotos”, avalia, enfatizando, ainda, que, apesar de ferramentas diagnósticas com base em inteligência artificial se tornarem uma realidade acessível, elas demandam que os médicos reconheçam seu papel como gestores da saúde de seus pacientes, como os médicos de família faziam no passado.
Outro ponto importante sobre o tema e que muitas vezes pode ser prejudicial no tratamento de pacientes diz respeito ao fato de o acesso à informação estar facilitado para todos. Isso pode gerar uma sensação de que as pessoas são experts em assuntos relacionados à saúde na busca de tratamento pelas redes. “Apesar de muito do que há na internet não ter respaldo científico, existe também conteúdo disponível de origem confiável. O problema é que o discernimento entre o conteúdo de qualidade ou não e, principalmente, se aquele conteúdo se aplica à situação do paciente é subestimado pelo público, gerando uma falsa sensação de total conhecimento sob sua condição de saúde. Nesse contexto, o médico muitas vezes é visto como mero ‘controle de qualidade’ do autodiagnóstico e com papel secundário no acompanhamento dos pacientes. Essa percepção equivocada pode levar a sérios problemas de saúde, principalmente quando ocorrer em grande escala. Além disso, o médico também deixa de ser uma figura de respeito e é considerado com contínua desconfiança por parte do paciente, que passa também a ser um constante questionador da atitude médica, o que dificulta uma postura empática pelo profissional de saúde”, enfatiza.
O médico afirma que não há como interferir no acesso a essas informações. Por isso, ele diz que é importante estar atualizado continuamente do que é divulgado na mídia e nos sites para poder argumentar com os pacientes ‘convictos e antenados’. “Devemos discutir de maneira coerente e embasada o porquê das desconfianças dessas novidades ou, até mesmo, estar aberto e disposto a aprender com os pacientes, nos comprometendo a estudar sobre o assunto e dar um feedback posterior sobre nossa opinião embasada em nossa formação e experiência”, salienta.
Além da veracidade ou não do que é encontrado na internet, as redes sociais trouxeram outro problema para dentro dos consultórios dermatológicos. Na cultura digital, existe uma falsa noção de que ser perfeito está ao alcance de todos. Além dos filtros que mascaram fotos reais, inúmeros procedimentos estéticos são anunciados por não médicos como a solução para a aparência dos sonhos.
“A questão estética, nessa nova realidade, vem como catalisador de uma frustração em massa e uma sociedade baseada em truques para só mostrar o melhor ângulo. Uma tendência desenfreada de busca por rosto e corpo perfeitos em uma competição subliminar de quem ficará mais parecido com seus ídolos, resumindo a importância da pessoa à aparência. Uma legião de pessoas saudáveis buscando médicos, dentistas, esteticistas ou quem quer que as possa ajudar a chegar mais perto desse objetivo”, enfatiza.
Nesses casos, Dantas reforça a postura que dermatologistas devem ter com pacientes que chegam com opinião formada sobre a realização desses procedimentos. “Acredito que temos sempre que agir com cautela, ética e firmeza. Modismos, por sua própria definição, têm caráter efêmero, e isso tem que ser ratificado com os pacientes. Nada vai ser melhor do que o tempo e a história para consolidar técnicas e procedimentos. A busca infindável pelo mais atual e moderno, pelo tratamento recém-lançado, sempre vai haver, e cabe a nós agir com parcimônia e não nos deixar levar exclusivamente pela indústria e pelos desejos dos pacientes. Vale ressaltar que, por se tratar de procedimentos invasivos, podem ocorrer complicações e que, porque conhecemos outros aspectos patológicos e fisiológicos da pele, estamos mais aptos a preveni-las e tratá-las. Devemos aderir ao novo quando houver embasamento científico, regulamentação, treinamento adequado e segurança para fazê-lo”, reforça.