O Correio Braziliense publicou, na edição do dia 1º de novembro, o artigo “A banalização de atos médicos e suas consequências”, de autoria do presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Gabriel Gontijo. No texto, o dermatologista alerta para o papel do médico e os limites legais de atuação de não especialistas: “Procedimento invasivo e procedimentos estéticos com riscos de complicações graves não são para quem não cursou medicina. Não é para quem não fez residência médica. Não é para quem não tem um título de especialista. As consequências são previsíveis e os consultórios médicos, especialmente dos dermatologistas, são procurados mais frequentemente por pacientes em busca de ajuda para tratar complicações dos mais variados procedimentos”, ressalta o presidente da entidade.
Leia a íntegra:
A cada morte anunciada depois de um procedimento estético malsucedido, realizado por um não-médico, surge certa comoção na sociedade, são publicadas algumas matérias na imprensa. E só. Logo em seguida, a tragédia é esquecida e o tema abandonado. O fato é que, no mundo do diálogo, das democráticas redes sociais, da exaltação à atuação multiprofissional, parece, no mínimo antipático, defender o ato médico. Decido eu, então, tirar o leitor da zona de conforto. Afinal, é papel da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) alertar para a necessidade de se ter clareza sobre o papel do médico e sobre os limites de atuação de outros profissionais. Falar sobre isso faz bem à Saúde. Recentemente, nossa equipe técnica preparou um dossiê de 180 páginas com imagens de complicações graves e anúncios de não-médicos oferecendo procedimentos estéticos por preços mais baratos e resultados milagrosos. Uma propaganda antiética, enganosa e altamente perigosa.
O dossiê está sendo apresentado a parlamentares do Congresso Nacional e ações têm sido ajuizadas com êxito. É de se admitir. Quando se quer proteger a saúde e a vida de uma pessoa, vale pensar no que ensina a canção popular: Cada um no seu quadrado. Procedimento invasivo e procedimentos estéticos com riscos de complicações graves não são para quem não cursou medicina. Não é para quem não fez residência médica. Não é para quem não tem um título de especialista. As consequências são previsíveis e os consultórios médicos, especialmente dos dermatologistas, são procurados mais frequentemente por pacientes em busca de ajuda para tratar complicações dos mais variados procedimentos. Tais complicações acabam causando problemas psicológicos graves como depressão e baixa auto-estima. São infecções, cicatrizes, queimaduras, manchas e muitos outros problemas decorrentes de procedimentos dermatológicos e cosmiátricos assumidos por profissionais sem qualquer noção de Medicina.
Em alguns casos, como aconteceu recentemente em Brasília com uma jovem que se submeteu a um bronzeamento em clínica clandestina, tais complicações levam à morte. Daí a importância da sentença da Justiça do Distrito Federal neste mês, proibindo biomédicos de executarem procedimentos estéticos que sejam considerados invasivos. Entre eles: a aplicação de toxina botulínica utilizada para rugas, os preenchimentos para suavizar sulcos e depressões na face, laser e peelings utilizados para rejuvenescimento. A decisão judicial é uma resposta favorável a uma ação movida pelo Conselho Federal de Medicina(CFM), com apoio da SBD e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). A dermatologia é considerada uma das especialidades mais amplas da Medicina e exige do profissional um vasto conhecimento técnico para compreender o universo das doenças da pele que afetam pessoas de todas as idades. Para ser dermatologista, é necessário, após a conclusão dos seis anos do Curso de Medicina, cumprir mais três anos de residência médica na especialidade e ainda fazer uma prova de título de especialista que deve ser registrada no Conselho Regional de Medicina. Só assim um profissional poderá exercer a especialidade. Uma importante área de atuação, que está implícita na formação do dermatologista é a cosmiatria, que deixou de ser perfumaria e passou à condição de ciência.
Os tratamentos propostos pelos dermatologistas dentro dessa área são provindos de estudos científicos realizados em centros de pesquisa e são acompanhados de orientações para evitar complicações e tratar adequadamente as que surgirem. No entanto, o que vemos hoje é a banalização dos tratamentos de pele, que alimenta uma cadeia de lucro mantenedora de profissionais não qualificados. Nos deparamos com uma profusão de ofertas de pacotes impraticáveis em grupos de desconto, salões de beleza e clínicas de estética fazendo com que a exposição ao risco seja crescente, aumentando exponencialmente as complicações graves para a saúde de centenas de pessoas. A SBD reconhece e valoriza a importância do atendimento multiprofissional para preservar e promover a saúde da população. Entretanto, repudia com veemência o desrespeito de alguns profissionais não médicos que ultrapassam os limites de sua competência, habilidade, capacitação e, principalmente, sua formação, colocando a sociedade em sério risco. Nada mais nobre e ético do que entender a própria limitação, respeitar o paciente e indicar que procure um médico. Insisto: dizer a verdade faz bem à Saúde.
*GABRIEL GONTIJO é presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD)